Confirmação: facultativa e dispensável?
Se há Sacramento maltratado pela prática pastoral corrente da Igreja Católica em Portugal esse é, certamente, o da Confirmação ou Crisma. Uma visão pelagiana que, em vez de confiar e invocar a graça divina, afirma ou pressupõe a autosuficiência humana para o agir sobrena-tural tornou dispen-sável ou facultativo o Sacramento do Dom por antonomásia que é o próprio Espírito Santo em Pessoa. E chegou-se à situação atual em que a imensa maioria dos batizados nem sequer chega a completar a Iniciação Cristã.
Isto apesar da afirmação clara do Catecismo da Igreja Católica n.º 1314: «é vontade da Igreja que nenhum dos seus filhos, mesmo pequenino, parta deste mundo sem ter sido levado à perfeição pelo Espírito Santo com o dom da plenitude de Cristo».
Depois, perante a clareza das normas canónicas que, obviamente, pressupõem a Iniciação Cristã com-pleta para o exercício de qualquer ministério na Igreja – ser padrinho ou madrinha de batismo; casar (os nubentes são os «ministros» do Sacramento); ser ministro extraordinário da Comunhão, etc. – passamos a vida a fazer remendos e a procurar dispensas. A situação real de uma esmagadora maioria de batiza-dos não crismados leva, por exemplo, a que na nossa Diocese habitualmente se dispense a celebração prévia do Crisma aos nubentes e padrinhos… Porque a realidade em que vivemos é mesmo essa: há um Sacramento dispensado e dispensável!
E, por outro lado, atendendo à seletividade que tem caracterizado a prática pastoral generalizada em relação à Confirmação, é caso para nos perguntarmos se não seria puro legalismo exigir aos batizados um sacramento que, habitualmente, só proporcionamos como medalha de bom comportamento ou diploma de fim de curso aos adolescentes/jovens que completam o 10.º ano de Catequese (ou mais ainda, adiando outros 2 ou 3 anos para que mais alguns se afastem e só fique a «nata da nata»…). É certo que, pelo menos aquando das visitas pastorais, se vai oferecendo a outros adultos a oportunidade de receberem este Sacramento. Mas, ou já os perdemos de vista ou, depois de tantos anos instalados numa prática sacramental eucarística sem Crisma – e a Eucaristia é o máximo! – como vão eles capacitar-se de que ainda lhes falta algo de importante?
E se voltássemos à doutrina da Igreja Católica e a uma prática pastoral mais aberta à graça porque inspirada na fé e na esperança que há de dar frutos de Caridade?
Entretanto, lembremos:
– «Com o Baptismo e a Eucaristia, o sacramento da Confirmação constitui o conjunto dos “sacramentos da iniciação cristã”, cuja unidade deve ser salvaguardada. Por isso, é preciso explicar aos fiéis que a recepção deste sacramento é necessária para a plenitude da graça baptismal» (Cat. Ig. Cat. 1285).
– A ordem dos Sacramentos não é arbitrária. O Sacramento que completa a iniciação cristã é a Eucaristia e não a Confirmação (cf. Cat. Ig. Cat. 1322, 1212; Pontifical da Confirmação, Preliminar 1). É essa a lição clara o Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos: «De acordo com o antiquíssimo uso, conservado na própria liturgia romana, não se baptize o adulto sem que, imediatamente depois do Baptismo, receba a Confirmação, a não ser que obstem motivos graves. Por esta conexão é significada a unidade do mistério pascal, a íntima relação entre a missão do Filho e a efusão do Espírito Santo e a estreita ligação dos sacramentos, pelos quais as duas pessoas divinas, juntamente com o Pai, vêm aos baptizados. Por isso, depois dos ritos complementares do Baptismo, omitida a unção pós-baptismal, confere-se a Confirmação. Finalmente vem a celebração da Eucaristia. É este o dia em que os neófitos nela participam pela primeira vez de pleno direito e encontram a consumação da sua iniciação» (RICA 34-36). Nada de «Becos» – com ou sem saída – que transpõem a desordem de uma prática anómala para a desordem ainda mais grave na catequese e na doutrina.
(Voz Portucalense)